Seguindo com a proposta de denunciar a importante contribuição da imprensa brasileira no processo de demonização e criminalização da maconha e seus usuários no país, trazemos hoje mais uma notícia jornalística do passado sobre a planta.

Ancorada em discursos médicos eugenistas, racistas e moralistas, característicos da primeira metade do século XX e sem nenhum tipo de comprovação científica séria, veículos de imprensa difundiram amplamente na esfera pública representações negativas, mitos e inverdades sobre a maconha.

 

 

Em 10/5/1949, a revista carioca “A Noite Ilustrada“, pertencente ao jornal “A Noite” publicou a reportagem “CUIDADO COM A NOSSA MACONHA!“, em que trata de um estudo realizado pela Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE) sobre a maconha brasileira.

O estufo foi motivado pela afirmação de um médico e professor renomado da Faculdade de Medicina do Estado de São Paulo de que experiências realizadas por ele mostraram que a planta “seria de relativa inocuidade, pois, quando muito, só agiria sobre pessoas sugestionáveis“.

A reportagem frisa que a afirmação excepcional do professor “vinha representar uma crítica algo hostil à campanha que está sendo encaminhada, em todo país, pelas Comissões Nacional e Estaduais de Fiscalização de Entorpecentes, empenhadas a fundo em impedir a difusão do uso da maconha, pelos seus nocivos e mesmo fatais resultados.

E segue: “As declarações do catedrático paulista caíram, assim, como uma bomba nos círculos científicos, particulares e oficiais. Urgia apurar com quem estava a razão. Com o governo? Com o professor paulista?”

 

 

A descrição do estudo conta com as seguintes pérolas e representações:

“TRAGÉDIA – Um cigarro que o amiguinho ofereceu. “Dê umas tragadas. Se não gostar, jogue fora”. São essas primeiras tragadas o suficiente para quebrar o moral. O olhar se turva imediatamente, indicando distúrbio do espírito.

 

 

VERTIGEM – Insistimos: o efeito não resulta de auto-sugestão. Mesmo ignorando o conteúdo do cigarro, os pacientes não puderam reagir aos seus efeitos. A maconha pode levar até a alucinação, com resultados inapagáveis.

PROSTRAÇÃO – Eis o que a levou a maldita maconha, incapaz de um movimento, de uma reação. Diante do olhar aloucado apenas a imagem imprecisa do cigarro e da água. Muitos acusam sensação de morte próxima, assustados com a taquicardia.

 

 

DESVARIO – O calor terrível que não há gelado que abafe. Vômitos após tomar a água. O coração trabalhando frenético, ondas sonoras que percorrem o corpo de alto a baixo. A que ponto chegará uma mulher com desordens psíquicas?

O FIM – Acaba-se assim. Basta um cigarro para espetáculo tão triste e revoltante. Começa por uma curiosidade satisfeita por uma maldade. Depois a degradação, o aviltamento, o vício matando as virtudes.”

O estudo da sub-comissão foi realizado em 2 etapas. Na primeira, com 7 pessoas, apenas 1 apresentou desordens psíquicas (14,2%). A reportagem frisa que o resultado se deu por ter sido realizada a experiência com uma maconha velha, colhida desde longa data e armazenada há mais de 1 ano. Na segunda etapa, com 9 pessoas, 6 apresentaram desordens psíquicas (66,6%) e a maconha havia sido colhida recentemente. Os sintomas objetivos observados foram; taquicardia (em 8), raciocínio anormal (4), irrigação conjuntiva (4), excitação (4), desordem pupilar (3), inquietude (3), lacrimejamento (2), transpiração (1), delírio (1), confusão mental (1), irritabilidade (1). Sintomas subjetivos; ardor na garganta (11), sabor amargo (8), vertigem e tonteira (7), desestesias (5), mutação de caráter (5), desordem circulatória (5), sonolência (4), bem estar e euforia (3), mal estar (3), alternativas de sentimento (3), sede (3), anestesia na ponta da língua (3), angústia (3), desequilíbrio (2), peso nas pernas (2), gastralgia (2), sensação de embriaguez (2), vontade de rir (2), fumaça agradável (2), sabor resinoso (2), língua espessa (2), zumbidos (2), sensação de rídiculo (1), sonambulismo (1), sensação de morte próxima (1), cefaléia (1).

 

 

A conclusão da sub-comissão é de que a maconha cultivada no Brasil apresenta os mesmos perigos e efeitos tóxicos das suas congêneres em outros países, dependentes da sua dosagem, de sua qualidade e de sua melhor ou pior conservação. A susceptibilidade individual é fator importante na maior ou menor apresentação de sintomas pelos intoxicados pela cannabis e os sintomas aparecem no meio do primeiro baseado.

Clique aqui para acessar a reportagem da revista “A Noite Ilustrada (RJ)” analisada neste post.